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O Uber na pauta do STJ: decisões interessantes

data

3 de outubro de 2023

categoria

Direito,

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Através de um modelo de negócio inovador (disruptivo), os aplicativos de transporte caíram no gosto das pessoas e das empresas, que deles se valem para alcançar os seus objetivos. O seu uso intenso pela sociedade atraiu o Direito e, neste momento, a comunidade jurídica idealiza critérios para viabilizar o melhor julgamento dos casos que envolvem variados conflitos.

O tema é bastante delicado, em face da novidade do fenômeno e de sua complexidade. Não à toa, seminários de direito do trabalho, penal, consumidor, tributário, empresarial, civil e várias outras tradicionais áreas do Direito ocupam-se do debate, em busca de soluções provisórias para as questões jurídicas que aportam aos Tribunais todos os dias.

Dentro desse contexto, o presente artigo destacará algumas decisões relevantes do Superior Tribunal de Justiça que apreciaram conflitos envolvendo a utilização do Uber. Na medida do possível, procurarei não emitir juízo de valor, em face do exíguo espaço.

Inicialmente, deve ser destacada a posição adotada pela 2ª Seção do STJ, no julgamento do conflito negativo de competência que é, provavelmente, o mais relevante acórdão – na jurisprudência do STJ – até o momento sobre o tema. As premissas adotadas pela Corte foram as seguintes:

“As ferramentas tecnológicas disponíveis atualmente permitiram criar uma nova modalidade de interação econômica, fazendo surgir a economia compartilhada (sharing economy), em que a prestação de serviços por detentores de veículos particulares é intermediada por aplicativos geridos por empresas de tecnologia. Nesse processo, os motoristas, executores da atividade, atuam como empreendedores individuais, sem vínculo de emprego com a empresa proprietária da plataforma”.

Logo: “Compete à Justiça Comum Estadual julgar ação de obrigação de fazer, cumulada com reparação de danos materiais e morais, ajuizada por motorista de aplicativo pretendendo a reativação de sua conta Uber para que possa voltar a usar o aplicativo e realizar seus serviços”. (CC nº 164.544/MG. DJe: 4/9/2019).

Digno de nota que, no julgamento acima, não houve pedido do motorista para o reconhecimento de vínculo empregatício, mas sim para a reativação de sua conta na plataforma diante de alegada ilicitude da empresa.

No âmbito da responsabilidade civil, um caso bastante delicado envolveu um roubo praticado pelo passageiro. O meliante, através de ardis, acionou uma corrida e surpreendeu o motorista, anunciando o crime. A 3ª Turma do STJ, portanto, precisou definir se o aplicativo responderia perante o motorista pela reparação do dano. A solução oferecida pelo ministro Moura Ribeiro foi afastar o nexo de causalidade, sob o fundamento de que “é do terceiro a culpa de quem pratica roubo contra o motorista de aplicativo. Caso fortuito externo à atuação da Uber”.

O relator relembrou que “a jurisprudência do STJ orienta-se no sentido de que o roubo é fato de terceiro que rompe o nexo de causalidade”.

Portanto, segundo a sua linha de raciocínio, “assalto, fato de terceiro, estranho ao contrato de fornecimento/gerenciamento de aplicativo tecnológico oferecido pela Uber, para a intermediação entre o passageiro e o motorista credenciado, foge completamente de sua atividade-fim, caracterizando fortuito externo”. (REsp nº 2.018.788/RS, julgado em 20/6/2023)

Ainda sob o âmbito do direito do consumidor, mas em demanda promovida pelo usuário contra a plataforma, a decisão monocrática do ministro Marco Aurélio Bellizze (REsp 2.063.065, j. 01.06.2023) reconheceu o dever do Uber reparar o dano derivado do “esquecimento” de um celular no veículo.

O relator chancelou o raciocínio do TJ-PR na apreciação da causa, invocando a Súmula nº 7/STJ: “A marca da plataforma desperta no consumidor a confiança e segurança, pelo que é inegável a expectativa de qualidade do serviço despertada no consumidor. Assim, em nome do princípio da boa-fé objetiva, ao lado do princípio da vulnerabilidade do consumidor, a ré deve suportar o risco da atividade pela escolha dos seus prestadores de serviço”, com a incidência dos artigos 14, do CDC 734, do Código Civil.

Encerro este artigo, lembrando decisão de lavra do ministro Luis Felipe Salomão, entusiasmando soluções consensuais dos conflitos. No caso, o aplicativo e a família da vítima de um acidente de trânsito que acarretou a morte do passageiro celebraram transação extrajudicial. Após, os familiares demandaram na Justiça Comum.

Embora não conhecendo do recurso especial, salientou o relator que “a quitação ampla, geral e irrevogável efetivada em acordo extrajudicial deve ser presumida válida e eficaz, não se autorizando o ingresso na via judicial para ampliar verbas indenizatórias anteriormente aceitas e recebidas”. (AgInt no REsp nº 1.868.389/SC, julgado em 21/3/2022).

Os temas acima, assim como tantos outros que são diuturnamente enfrentados pelos juízes, são novos no cenário jurídico. Conhecer os argumentos e as orientações dos vários Tribunais da Federação pode ajudar no amadurecimento de suas soluções. Afinal, em algum momento futuro, serão identificados e aplicados critérios uniformes para o julgamento dos casos.

SOBRE O AUTOR

Doutor em Direito Civil (UFRGS). Professor da Escola de Direito (PUCRS). Instagram: @danielustarroz. Email: ustarroz@terra.com.br

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