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A inconstitucionalidade do recolhimento do Imposto de Renda sobre a pensão alimentícia

data

27 de setembro de 2023

categoria

Direito,

tags

Por Daniel Ustarroz, professor de Direito Civil (PUCRS) e advogado (OAB/RS nº 51.548; e
Marianna Passos, mestre em Direito (PUCRS), advogada (OAB/RS nº 103.063)

Recentemente, na sessão virtual finalizada em 3 de junho, o STF concluiu julgamento histórico e afastou a incidência de Imposto de Renda sobre a pensão alimentícia. A ADI nº 5422 havia sido ajuizada pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Em geral, as pessoas que atuam no direito de família consideravam injusta a incidência do tributo, uma vez que os tribunais, ao quantificarem o valor da pensão, se atêm ao que é necessário para manter a dignidade do alimentado.

Logo, se o alimentado é privado de parte desta receita, a sua sobrevivência é ameaçada. Contudo, restava em aberto conciliar essa consideração quanto à “justiça” com o regramento do direito tributário. No presente artigo, vamos destacar algumas questões jurídicas relevantes do julgamento.

Inicialmente, o voto condutor, proferido pelo relator min. Dias Toffoli deixa clara a limitação da tese à pensão alimentícia no âmbito do Direito de Família, ao asseverar que “alimentos ou pensão alimentícia oriunda do Direito de Família não são renda nem provento de qualquer natureza, mas simplesmente montantes retirados dos rendimentos (acréscimos patrimoniais) recebidos pelo alimentante para serem dados ao alimentado.”

Ainda, o voto vencedor se amparou no argumento que o valor da pensão alimentícia não seria uma “renda”, mas sim um “acréscimo patrimonial” retirado dos ganhos de quem paga a pensão. Considerou que o alimentante já recolhe o Imposto de Renda diante de seus rendimentos, portanto acatou a tese do IBDFAM pela indevida bitributação.

O voto do relator propõe uma exemplificação deste fenômeno. De um lado, um casal com um filho comum, cujo lar é sustentado financeiramente pelos ganhos de um dos pais. De outro, a realidade após a separação do casal, diante de pensão alimentícia paga por um pai ao filho e ao ex-cônjuge/companheiro. Na primeira situação, constariam como dependentes o cônjuge e o filho, na declaração conjunta de renda.

Já no segundo caso, além da declaração do “provedor”, surgiria uma segunda declaração de IRPF, com novas regras de tributação.

O voto considerou que o estado de dependência financeira não mudou: antes era o dever de sustento, após através da pensão de alimentos. Concluiu que nova tributação não seria possível.

O voto do ministro Toffoli transcreve excerto doutrinário do professor gaúcho Rolf Madaleno: “Sendo o fato gerador do Imposto de Renda o aumento no patrimônio do contribuinte, nada justifica a tributação da pensão alimentícia cuja renda já́ foi devidamente tributada quando ingressou no acervo do devedor dos alimentos, quando de fato esses recursos estão sendo duplamente tributados em sequela da separação oficial dos cônjuges ou conviventes, e tudo por que a mulher e os filhos foram residir em moradia diversa do alimentante, não obstante todos, mulher e filhos, sempre fossem financeiramente dependentes do varão provedor e tivessem vivido e dependido da única renda percebida pelo provedor.”

O relator foi seguido pelos ministros Luiz Fux, Carmen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Alexandre de Moraes e André Mendonça. Todavia, os ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin e Nunes Marques divergiram e proferiram votos distintos.

Em apertada síntese, o ministro Gilmar Mendes considerou que não haveria “dupla tributação”, pois a quantia paga através de pensão é deduzida dos rendimentos do alimentante, de sorte que na prática é o alimentado quem recolhe o imposto. Segundo o seu raciocínio, o mais correto seria aplicar a soma das pensões com a renda do responsável legal e se valer da tabela progressiva do IR para cada dependente. Sustentou que essa seria a forma de se evitar “uma isenção dupla ilimitada”, a qual geraria uma distorção do sistema.

Na medida em que o acórdão nada fala a respeito de modulação dos efeitos da decisão, torna-se lícita a repetição dos valores pagos pelos contribuintes, nos últimos cinco anos. A União Federal estimou um desfalque patrimonial de R$ 1 bilhão/ano, em decorrência da não incidência do Imposto de Renda nas pensões.

Por fim, ressaltamos que os próximos processos, julgados pelos Tribunais da Federação, se encarregarão de dirimir algumas dúvidas, como por exemplo se a conclusão alcançada atingiria pensões alimentícias fixadas em virtude de responsabilidade civil. Ou, ainda, quanto aos critérios de correção de valores indevidamente pagos, bem como a melhor forma de se compensar esse “crédito”, na via administrativa ou judicial.

Vale a reflexão!

SOBRE O AUTOR

Doutor em Direito Civil (UFRGS). Professor da Escola de Direito (PUCRS). Instagram: @danielustarroz. Email: ustarroz@terra.com.br

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