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A adoção na jurisprudência superior

data

28 de setembro de 2023

categoria

Direito,

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Segundo dados recentes do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), existem quase 34.000 crianças e adolescentes abrigadas em casas de acolhimento e instituições públicas. E aproximadamente cinco mil estão formalmente aptas para serem adotadas.

Os processos de adoção costumam ser delicados, afinal objetivam proteger menores que, em geral, não encontraram em sua “família natural” o adequado cuidado necessário para o seu sadio desenvolvimento. Justamente em face da importância desses casos, o direito sempre estabeleceu um rígido controle, com o intuito de melhor proteger as pessoas envolvidas.

O Estatuto da Criança e do Adolescente traça as diretrizes dos processos de adoção, estabelecendo critérios para o seu deferimento. Não raro, contudo, a literalidade de impedimentos choca-se com a realidade e os tribunais deparam-se com situações complexas. O presente artigo apresenta algumas orientações constantes em acórdãos do STJ que servem de norte para a resolução desses conflitos.

Em linhas gerais, a jurisprudência preconiza observância ao princípio da proteção integral e prioritária da criança. Dentre outras conclusões, considera que é preferencial o acolhimento familiar em detrimento da colocação de menor em abrigo institucional durante os processos, e mesmo após a sua conclusão. Valoriza também a família extensa, quando parentes pretendem a adoção. E, em algumas oportunidades, relativiza as regras previstas no ECA, quando em desacordo com o melhor interesse do menor. Dois casos ilustram este posicionamento.

Conforme expressa disposição legal (art. 42, § 3º do ECA), exige-se uma diferença mínima de 16 anos de idade entre o adotante e o adotando. Segundo a doutrina histórica, a vedação teria por finalidade “imitar” a realidade, pois historicamente homens e mulheres tem filhos após os 16 anos. Entretanto, situações fáticas consolidadas, autorizam a relativização desse norte.

Em um caso interessante, o adotante era casado, por vários anos, com a mãe do adotando, com a qual havia tido dois filhos. Com o enteado, mantinha relação socioafetiva estreita. Contudo, a diferença etária era um pouco inferior aos 16 anos exigidos pela lei. Segundo o voto do ministro Marco Buzzi, a realidade dos fatos revelava efetiva relação de guarda e afeto já consolidada no tempo. Considerou a corte que o deferimento da adoção unilateral era uma medida impositiva, para “fazer constar nos assentos civis do adotando, como pai, aquele que efetivamente o cria e educa juntamente com sua mãe, não pode ser frustrada por apego ao método de interpretação literal, em detrimento dos princípios em que se funda a regra em questão ou dos propósitos do sistema do qual faz parte”.

O acórdão sublinhou, ainda, que “o aplicador do Direito deve adotar o postulado do melhor interesse da criança e do adolescente como critério primordial para a interpretação das leis e para a solução dos conflitos. Ademais, não se pode olvidar que o direito à filiação é personalíssimo e fundamental, relacionado, pois, ao princípio da dignidade da pessoa humana”. (REsp nº1.338. /DF, 4ª Turma).

Como regra, em atenção ao art. 50 do ECA, o Poder Público mantém cadastros de adotantes e adotandos, “tanto no âmbito local e estadual quanto em nível nacional, visa conferir maior transparência, efetividade, segurança e celeridade ao processo de adoção, assim como obstar a adoção intuitu personae”. (HC nº 522.557/MT, 4ª T., Rel. Min. Raul Araújo).

Contudo, em casos em que são observados vínculos afetivos entre o menor e a família adotante, a jurisprudência considera que “a ordem cronológica de preferência das pessoas previamente cadastradas para adoção não tem um caráter absoluto, devendo ceder ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, razão de ser de todo o sistema de defesa erigido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que tem na doutrina da proteção integral sua pedra basilar” (RHC nº 106.091/GO, 3. T., Rel. Min. Moura Ribeiro)

Estes e outros julgados ilustram a delicadeza dos casos que envolvem os processos de adoção, no Brasil.

Avançarei no tema no meu próximo artigo, aqui no Espaço Vital. Será na edição de sexta-feira 9 de setembro.

SOBRE O AUTOR

Doutor em Direito Civil (UFRGS). Professor da Escola de Direito (PUCRS). Instagram: @danielustarroz. Email: ustarroz@terra.com.br

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